"Frases felizes... Frases encantadas...
Ó festa dos ouvidos!
Sempre há tolices muito bem ornadas
Como há pacovios bem vestidos."
Mario Quintana - Das Belas Frases

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Live and let die

          Se a vida é como um livro aberto, formado por diversas páginas, é preciso compreender que estamos sujeitos a mãos e ventos capazes de rabiscá-las e virá-las.
          Às vezes o livro transforma-se em não mais que uma agenda, apenas com notas diárias, sem grandes histórias ou personagens. Então, um dia, aparece alguém e escreve um poema em uma, duas páginas. Colore o fundo com giz-de-cera, desenha arabescos e flores, dá um jatinho delicado de perfume. Embeleza o livro. Dá vontade de ficar para sempre olhando e respirando aquele único pedaço de papel. De escrever outros poemas e belezas no livro desse alguém. De citá-lo em cada próxima página que vier a seguir. Então, de repente, os textos encantadores transformam-se em não mais que rabiscos, palavras mal escritas, preto no branco, preto e branco, cinza. No lugar da beleza, a sensação de páginas arrancadas.
          A verdade é que, em momentos assim, é difícil iniciar um próximo texto, bonito ou não. A única coisa que faz sentido é voltar algumas páginas atrás e contemplar o que passou, e é possível fazê-lo por um tempo, até descobrir que isso se torna mais doloroso que todo o resto. É aí que se aprende uma das mais lições mais importantes na vida (mas que, curiosamente, sempre precisa ser reaprendida, pois a esquecemos com absurda facilidade) – as páginas podem ser viradas. Algumas pessoas podem acompanhar-nos por muito tempo, mesmo que apenas como um lembrete no canto de uma ou outra folha ao longo do livro. Outras vão se apagando e suas passagens tornam-se desbotadas, esquecidas entre outros apontamentos. Há aquelas que escrevem com mais força, e muitas folhas depois, ainda é possível ver resquícios de sua grafia lembrando-nos de sua existência. Mas sempre, sempre, há uma nova página em branco, esperando ansiosa por ser descoberta.
 É preciso que se tenha a coragem de viver sem medo do que virá pela frente. Mas, caso os próximos capítulos não sejam belos, há que se ter a sabedoria de deixá-los morrer.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Obrigada, Paul.

Lembro de um episódio da série Anos Incríveis, em que a professora pergunta aos alunos de 12, 13 anos, quem eram os responsáveis por ensinar-nos sobre valores.
      ‘A família!’
      ‘A escola!’
      ‘Os amigos!’
      ‘Quem mais?’ – questiona a professora.
Após um tempo em silêncio, um menino fala timidamente:
      ‘Os Beatles?!’

Eu cresci ouvindo as músicas de quatro amigos de uma cidadezinha inglesa que formaram uma banda – porque era o que amigos de cidadezinhas inglesas faziam naquela época – e mudaram a história.
Com essas músicas, aprendi sobre amor, amizade, sonhos, melancolia, tristeza, dor de cotovelo, paciência, beleza. Tendo essas músicas como trilha sonora eu vivi momentos importantes, chorei, gargalhei, abracei amigos e descobri que só precisava de uma ajudinha deles pra que tudo ficasse bem. Descobri que amor é, senão tudo, a coisa mais importante de que se precisa. Que dar as mãos pode ser mais intenso que um beijo, que deve-se sair e brincar toda vez que o céu estiver azul. Aprendi sobre a paz e a dar a ela todas as chances possíveis. Ouvi sobre um mundo sem religião, céu, inferno ou países, e desejei-o desde então.

Domingo, 07/11, eu vivi uma das experiências mais incríveis da minha vida: vi um desses quatro amigos, Paul McCartney, tocando muitas dessas músicas em Porto Alegre. Só quem tava lá pode entender exatamente o que eu senti, ouvindo canções compostas há décadas unirem uma multidão inteira e diferentes gerações num mesmo sentimento.
Vi esse cara, considerado o maior músico da atualidade, cantando junto no coro de ‘ah, eu sou gaúcho’, chamando fãs pro palco e se divertindo tanto quanto aqueles que foram vê-lo. Alguém que compreendia o quanto era importante pra cada um ali, e fez questão de tornar tudo ainda mais bonito. Mais que isso, alguém com uma história muito bela, cheia de altos e baixos, que deixou transparecer em cada nota o quanto ama o que faz.
Com as músicas Here Today e Something, homenagens aos colegas de banda já falecidos, era quase possível sentir John e George abraçando aqueles que, como eu, choravam e sorriam e cantavam ao mesmo tempo. Soa piegas, mas foi o que eu senti.
Em outras músicas, como Drive My Car ou All My Loving, a sensação de voltar no tempo do iêiêiê, lá pelo começo dos anos 60, e compreender perfeitamente como se sentiam os beatlemaníacos, quando o termo foi criado.
A carreira solo de Paul também é admirável, afirmando e não deixando espaço pra contestação: ele é um gênio. Ver todo mundo cantando também essas músicas, compostas após os Beatles, foi um sinal de respeito que me deixou imensamente feliz.
Nesse show, eu aprendi na prática o poder de união e mudança da música. Vi completos desconhecidos compartilharem o mesmo espaço durante três dias, na fila, como se fossem amigos de anos. Avós, pais e filhos dividindo a expectativa de ver o ídolo que representava o mesmo para cada um, independente da idade. Um senhor de cabelos brancos dançando música eletrônica antes do show, e uma guria da minha idade chorando assim que as luzes se apagaram. Um coro de 50 mil pessoas cantando como se fossem uma só o refrão da música que nos diz pra ‘pegar uma canção triste e torná-la melhor’.
Já se passaram quatro dias desde o show, mas ainda paro, lembro e meu olho enche de lágrima. Repito – só quem estava lá consegue compreender a grandiosidade daquelas três horas de absoluta magia traduzida em canções.
Obrigada, Paul.